Grifas: 30 depoimentos para atualizar o pensamento afro-caribenho

No livro Grifas (afro-caribenhas na fala) convivem e dialogam 30 vozes de criadoras afro-caribenhas que abordam temas como identidade racial, emigração, fronteiras, racismo e o corpo da mulher negra
09/08/2023
por
Escritório do México da FRL

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No livro Grifas (afro-caribenhas na fala) convivem e dialogam 30 vozes de criadoras afro-caribenhas que abordam temas como identidade racial, emigração, fronteiras, racismo e o corpo da mulher negra. E atualizam o pensamento caribenho para além das parábolas geográficas e submarinas e nos permitem olhar para um Caribe que gera conhecimento e uma outra  história.

Grifas (afro-caribenhas na fala)
O livro Grifas (afro-caribenhas na fala) está disponível em PDF no site do escritório do México da Fundação Rosa Luxemburgo

Os estudos sobre as criadoras afro-caribenhas estiveram por muito tempo ausentes das pesquisas sobre gênero e racialidade, e até mesmo dos feminismos. Apesar das pesquisas, palestras e publicações, o assunto ainda é raramente ouvido na boca de suas protagonistas, mas (re)conhecido por meio daqueles que as estudaram e falaram “em nome” delas.

Daí o valor de Grifas e do trabalho de Laura Ruiz Montes como entrevistadora e editora, que, com essa integração de 30 vozes, destaca áreas da história das Antilhas narradas por suas criadoras, que atualizam o pensamento caribenho para além das parábolas geográficas e submarinas, por meio de títulos tão sugestivos como “Ancestra, feminino e com maiúscula”, “Acredito profundamente na nutrição da diáspora e em como ela pode agir como um cordão umbilical” ou “Por que a inteligência esmagadora das pessoas escravizadas que foram trazidas da África para o Caribe é uma novidade para nós? “.

No total, doze países e algumas de suas diásporas aparecem nesta seleção, que inclui autoras nascidas na Europa, filhas de emigrantes, que se definem como caribenhas, juntamente com outras que, embora originárias de uma ilha das Antilhas, expressam a dúvida de ser ou falar do Caribe, tendo passado a maior parte de suas vidas em solo estrangeiro.

Acrescentamos ao catálogo mulheres criadoras que, por vários motivos, traçaram seus eixos de vida em uma espécie de entremeio. O repertório é ampliado por aquelas que, tendo estudado na antiga metrópole, também escolheram trabalhar lá, e que aqui aparecem próximas àqueles que, por vontade própria – ou não – deixaram suas ilhas nativas para viver em um país diferente que também não é a antiga metrópole.

Essas vozes abordam temas como identidade racial, emigração, fronteiras, racismo e corpos femininos, que acabam se interconectando com outros, como o lugar da África e a cultura afrodescendente, a oralidade, as línguas crioulas e as religiões, para formar diferentes rotas em que o conceito de “identidade” se solta de suas amarras e se transforma em trajetórias que, revelando subjetividades de diferentes interseccionalidades, revelam um Caribe que gera conhecimento e uma história outra.

O fato é que o Caribe, mais do que precisão geográfica, é acima de tudo um espaço cultural onde áreas continentais coexistem com “as dolorosas ilhas do mar”. Essa metáfora fundamental, juntamente com o conceito de Benítez Rojo da “ilha que se repete” e o pensamento “arquipelágico” de Édouard Glissant e das ilhas como aberturas, conta, grosso modo, a história de nossa região, que também está encontrando seus caminhos nos estudos sobre a história do Atlântico.

Talvez seja por isso que a estrutura espacial deste projeto seja ao mesmo tempo difícil e simples de explicar, já que quase todo mundo tem seu próprio Caribe. Mas, para fins de compreensão, basta esclarecer que essa compilação de entrevistas inéditas diz respeito a várias ilhas anglófonas, francófonas e de língua espanhola e suas diásporas. Seu objetivo é praticamente óbvio: neutralizar a balcanização do Caribe, a política de distanciamento e isolamento perfeitamente calculada pela metrópole e outras partes interessadas, por meio de testemunhos que misturam vida, trabalho, história, política, arte e sociedade.

Se a colonização e suas consequências separaram nossos espaços antilhanos por meio de muitos mecanismos – entre eles, o idioma -, é vital que as diferenças de idioma deixem de ser uma desculpa que impeça o conhecimento mútuo e o diálogo. A fim de trabalhar para esse diálogo, os criadores aparecem aqui em ordem alfabética e não divididos por regiões geográficas ou linguísticas; e em mais de uma ocasião é possível encontrar referências cruzadas entre eles e alusões ao universo literário de cada um.

Todas elas convivem com aquelas que retornaram às suas ilhas de origem, depois de estadias de estudo e/ou trabalho em outras latitudes, e próximas daquelas que – exceto por breves incursões em outras regiões – sempre viveram em seu país de origem, onde produzem uma obra essencial. Assim, um projeto que, a princípio, poderia ser suspeito de ser regionalista em si, torna-se um ato de “unidade na diversidade” (Glissant dixit). Assim, as respectivas poéticas – no sentido mais amplo do termo – tornam-se um diálogo pan-caribenho que, com total pertinência, está inserido no trabalho da Década Internacional para Pessoas de Ascendência Africana (2015-2024), proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Esses depoimentos de três dezenas de mulheres afro-caribenhas abrangem gerações desde a década de 1930 até a década de 1980. Muitas das respostas refletem acontecimentos históricos e sociais que marcam momentos nesses cinquenta anos, e as breves notas bio-bibliográficas atestam o cenário literário que as contextualiza. Entretanto, importantes autoras estão ausentes do volume. Algumas encontrarão espaço em pesquisas futuras e compilações já planejadas, enquanto outras não puderam dar seu testemunho por motivos de saúde. Esse é o caso da “gigante” guadalupense Maryse Condé, quem é como uma das entrevistadas a definiu, alguém cujo testemunho direto não é “visível” nestas páginas. Por outro lado, a totalidade do projeto é dedicado ao seu trabalho pioneiro, ao qual essas irmãs e continuadoras fazem referência em mais de uma ocasião.

Laura Ruiz Montes (Matanzas, Cuba, 1966) é formada em história, poeta, editora, ensaísta e tradutora.

Tradução: César Ortega