Livro discute mobilidade urbana como direito, não como serviço

Hoje, 16 cidades no Brasil já adotaram a tarifa zero. Todas, com exceção de Maricá (RJ), têm menos de 60 mil habitantes. No mundo, há muitos outros exemplos e referências, sendo Talim, na Estônia, a principal.
30/01/2020
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FRL

Por FRL

“Precisamos entender o transporte como um direito”, afirmou o jornalista Daniel Santini durante o lançamento de seu livro “Passe Livre – As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização” realizado na noite desta quarta-feira (29) na livraria Tapera Taperá, no centro de São Paulo.

A publicação é resultado de uma parceria entre a Fundação Rosa Luxemburgo e a editora Autonomia Literária. Junto com Santini, participaram do debate a urbanista e professora da USP, Raquel Rolnik, e o ex-secretário de Serviços e Obras, Lúcio Gregori.

Prioridades Invertidas

Durante sua apresentação, o autor do livro lembrou que, segundo o IBGE, de 2013 a 2019, a população aumentou em 3,6%. Já o número de passageiros, de acordo com a SPTrans, foi na contramão e caiu 9,8% no mesmo período. “Isso é muito grave. A gente está aumentando a proporção de gente que está se deslocando usando, principalmente, transporte individual e não o coletivo”, analisa.

O pesquisador relaciona os números com  os subsídios que são dados ao transporte individual privado; com a uberização; entre outros fatores como a inauguração da linha amarela do metrô, que puxou parte dos usuários de ônibus.

“A gente subsidia o uso de carros, a gente subsidia o uso de motos. Isso precisa entrar na conta”, diz. Entre 1998 e 2018, houve um aumento expressivo na concentração de carros no Brasil. Em 1998, havia um carro para cada 9,9 habitantes e uma moto para cada 66,6.

Em 2018, tínhamos um carro para cada 3,8 habitantes. E uma moto para cada 9,4. Os levantamento é baseado em dados da Anfavea e do IBGE. “Nós chegamos a essa concentração de veículos por conta do subsídio dado por meio da redução de IPI para a aquisição de automóveis. As pessoas são incentivadas a se endividar para comprar carros e motos”, analisa.

Outro exemplo de subsídio dado ao transporte particular foi apontado pela urbanista e professora da USP, Raquel Rolnik: “Um dos grandes gastos na nossa cidade é com o asfalto.  A discussão sobre subsidiar ou não subsidiar é falsa. A questão é: quem vai se beneficiar com esse investimento?”.

A pesquisadora explica que a política urbana na cidade sempre foi a de sustentação do modelo de circulação de automóvel particular. Segundo ela, esse – até determinado momento –  era basicamente um modo predominante de circulação das classes médias e altas.

A mudança, diz Rolnik, veio a partir do momento em que as camadas mais populares da sociedade passaram a ter acesso a transporte motorizado individual. “Quando o povão começou a comprar o carro usado e a moto, o modelo explodiu. O questionamento passou a ser formulado através da ideia do congestionamento e não por meio da crítica ao próprio modelo”, avalia.

Transporte como Direito

O ex-secretário de Serviços e Obras Lúcio Gregori acredita que a questão da mobilidade passa por uma política de incentivo ao transporte coletivo. “O livro do Daniel – ao trazer a questão da distopia da uberização – coloca o debate da tarifa zero. A questão está tão colocada que toda hora eu fico sabendo de uma cidade que tem tarifa zero”, diz Gregori.

Para Santini, “a tarifa zero é uma tecnologia social que permite inverter o que está acontecendo. Precisamos entender transporte como um direito”.

Em consonância com o autor do livro, Rolnik afirma que discutir a tarifa zero vai muito além do custo do transporte coletivo ou mesmo das políticas de mobilidade. “Quando tocamos nesse ponto, estamos falando de um elemento estrutural, do modelo que está em funcionamento das nossas cidades”.

A urbanista afirma que a possibilidade de ir e vir faz com que as pessoas se apropriarem das cidades. “Quando aconteceu uma maior integração do sistema de trem, metrô e ônibus, com o Bilhete Único, lugares como a Avenida Paulista de repente foram apropriados por milhares de jovens, que vêm de todas as periferias metropolitanas. Mágica? Não, política de transporte”.

Direito Fundamental

Em 2015, houve uma alteração no artigo 6º da Constituição Federal. Com a mudança, o transporte entrou ao lado da educação, da moradia, da saúde como um direito fundamental. “Um direito social que o Estado tem que garantir. Isso é uma base legal muito consistente. Tem parlamentares que estão tentando regulamentar isso. Seria a base de como viabilizar políticas mais concretas e subsídio ao transporte nas cidades a partir de um plano federal”, diz Santini.

“A mobilidade é um problema nacional. Precisamos sair do cantinho do município. Que é uma forma de tratar determinadas questões com interesses locais com interesses minúsculos”, conclui Gregori.

Hoje, 16 cidades no Brasil já adotaram a tarifa zero. Todas, com exceção de Maricá (RJ), têm menos de 60 mil habitantes. No mundo, há muitos outros exemplos e referências, sendo Talim, na Estônia, a principal.

Clique aqui e veja a apresentação de Daniel Santini

Veja o vídeo do lançamento:

 

Passe livre
As possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização
Daniel Santini

Autonomia Literária e Fundação Rosa Luxemburgo
São Paulo, São Paulo, setembro de 2019

ISBN: 978-85-69536-59-8

A  Fundação Rosa Luxemburgo disponibiliza gratuitamente exemplares* para associações de ciclistas e pedestres, coletivos que lutam por mobilidade justa, gestores públicos que trabalham no desenvolvimento de políticas de transporte livre e bibliotecas de acesso público. Entre em contato para saber como retirar o seu. Para uso privado, é possível adquirir diretamente com a Autonomia Literária.

* Sujeito à disponibilidade em estoque.