O Partido Colorado e as denúncias de fraude e corrupção na continuidade do conservadorismo no Paraguai

Nesta análise sobre a conjuntura política do Paraguai e os resultados das eleições de abril, Ricardo Canese, candidato a senador pela Frente Guasu Ñemongeta (FGÑ) e membro da Fundação Jerovia, contextualiza a vitória do Partido Colorado
25/05/2023
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Ricardo Canese – Tradução: Luiza Maçano

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Nesta análise sobre a conjuntura política do Paraguai e os resultados das eleições de abril, Ricardo Canese, candidato a senador pela Frente Guasu Ñemongeta (FGÑ) e membro da Fundação Jerovia, contextualiza a vitória do Partido Colorado destacando as suspeitas de fraude e manipulação de votos. Esses problemas desencadearam protestos nas semanas posteriores, com um cenário complexo e instável. Os resultados representam uma dura derrota para a esquerda no Paraguai e a ascensão de uma nova força de oposição marcada por um discurso antissistema e autoritário.

Ricardo Canese é representante parlamentar do Paraguai no Parlamento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e secretário de relações internacionaisFrente Guasu Ñemongeta (FGÑ) - Foto: arquivo pessoal
Ricardo Canese é representante parlamentar do Paraguai no Parlamento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e secretário de relações internacionaisFrente Guasu Ñemongeta (FGÑ) – Foto: arquivo pessoal

Ricardo Canese

As eleições de 30 de abril de 2023 no Paraguai foram marcadas por denúncias de corrupção e impunidade, ausência de um debate programático e fraude sistemática, desencadeando mobilizações nas ruas do país. Os protestos começaram por iniciativa de Paraguayo Cubas, também conhecido como Payo Cubas, e de seus opositores. Cubas é membro do Partido Cruzada Nacional e ficou em terceiro lugar na disputa presidencial após realizar uma campanha marcada por propostas autoritárias, antidemocráticas e antissistema. As manifestações convocadas por ele rapidamente se estenderam a todos os setores e os demais candidatos presidenciais da oposição, Efraín Alegre, da coalizão Concertación, que ficou em segundo na lugar na disputa, e Euclides Acevedo, do Nova República, quarto colocado, também passaram a exigir a recontagem de votos. Tudo isso em meio a um “cerco” midiático da grande imprensa, que deseja a continuidade, sem tumultos.

A eleição de Santi Peña, do Partido Colorado (Associação Nacional Republicana – ANR), que ficou em primeiro lugar com 42,74% dos votos, marca a continuidade do conservadorismo no Paraguai, em um cenário que desperta muita suspeita, acusações e denúncias graves. Além dos relatos de compra de votos e aliciamento eleitoral, foi constatada a manipulação de urnas eletrônicas, com evidências de votos de eleitores bloqueados e desviados.

Efraín Alegre (Concertación), segundo colocado que obteve 27,48% dos votos, exigiu a recontagem manual de 10% dos votos e uma auditoria técnica devido aos graves problemas relatados. Uma das manipulações se deu com o desaparecimento das listas de candidatos a senadores e deputados da urna eletrônica, entre elas, a da Frente Guasu Ñemongeta, que perdeu muitos votos. Ao não encontrar suas opções iniciais, muitos eleitores acabaram votando em outras listas e candidatos. É difícil calcular o número exato de todas as fraudes cometidas, mas essas novas revelações produziram uma relativização dos resultados.

Sobre a compra de votos, há inúmeras evidências. Uma delas é o pagamento oferecido pela retenção de documentos de identificação de eleitores que votariam contra o Partido Colorado. Esses documentos “alugados” foram utilizados por pessoas de “confiança” para votar em locais com pouca fiscalização, e assim o partido ganhou em dobro (um voto a menos para a oposição e um voto favorável a mais). Também foram registrados casos de “voto assistido”, ou seja, casos em que os eleitores votaram acompanhados de outras pessoas – até mesmo dos próprios mesários – que digitaram o voto por eles, como registrado em vários vídeos gravados pela população.

Com prepotência e ameaças, eles conseguiram se impor em milhares de seções eleitorais de todo o país, com os mesários cedendo por medo, o que resultou em muitíssimos casos de votos comprados, nos quais a pessoa que pagava era quem digitava o voto. E quais são os números dessa fraude escancarada de seções eleitorais e votos comprados ou assistidos? Segundo as informações da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (UE), 19% dos votos foram votos assistidos.

Candidatos à presidênciaVotação
Santi Peña42,74%
Efraín Alegre27,48%
Paraguayo Cubas22,91%
Euclides Acevedo1,36%
José Luis Chilavert0,80%

O Partido Colorado, mesmo sem alcançar 50% dos votos presidenciais, conquistou a maioria absoluta nas duas câmaras do Congresso Nacional, com 23 senadores de um total de 45 (51,1%) e 49 deputados de um total de 80 (61,25%), muito próximo da maioria qualificada de dois terços (53 deputados). Também venceu em 15 dos 17 governos estaduais do país (um deles, Concepción, ainda em disputa) e tem maioria em 14 das 17 Juntas Departamentales, órgão legislativo dos estados.

O Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), de centro, conquistou 11 senadores e 20 deputados e continua sendo o segundo partido mais forte do país, embora tenha elegido menos senadores do que na atual legislatura (14 senadores e 24 deputados). O Cruzada Nacional, partido populista de direita de Paraguayo Cubas, foi de um para cinco senadores e é a terceira maior força política do país. A FGÑ, de esquerda, foi a que mais diminuiu, passando de seis senadores eleitos para apenas uma, Esperanza Martínez. Também foi eleita uma única deputada da FGÑ, Johana Ortega. 

Indignação e descontentamento

As mobilizações para exigir que a vontade popular fosse respeitada foram lideradas pelo grupo de Payo Cubas, que acabou detido, e tomaram grandes dimensões nas primeiras semanas após a votação, em meio a um cenário tenso e instável. É difícil caracterizar Payo Cubas e não se deve cair na armadilha fácil de classificá-lo de acordo com os estereótipos europeus (fascismo, neonazismo) ou com líderes direitistas de outros países latino-americanos (Bolsonaro, Milei). Ele não é um neoliberal como Bolsonaro/Milei, embora seja muito mais autoritário e prometa fuzilar (matar) ex-presidentes corruptos (Cartes, Abdo), e até mesmo Fernando Lugo, e tomar medidas drásticas contra o crime, como Bukele. Ele também promete medidas bastante radicais contra os latifundiários brasiguaios, fato que tem assustado esse setor. A proposta dele é autoritária e antissistema (antidemocrática) e reflete o desgaste e a indignação sentidos por muitos cidadãos. Ele promete soluções quase mágicas e sempre autoritárias. Se quiséssemos classificá-lo ideologicamente, ele seria de direita autoritária, embora prometa medidas próprias da esquerda (acesso à terra para os camponeses sem-terra, por exemplo; fim dos privilégios de funcionários públicos de alto escalão etc.). Fazendo uma autocrítica, a esquerda deve reconhecer que esse tipo de fenômeno surge porque o campo progressista não tem conseguido canalizar a indignação das pessoas contra o sistema capitalista e o modelo neoliberal.

O governo do atual presidente, Abdo Benítez (2018 – 2023), do Partido Colorado, tem uma das piores avaliações das últimas décadas (10% de aprovação), e nessa última eleição seu partido adotou a mesma estratégia utilizada em todas as eleições desde o fim da ditadura de Alfredo Stroessner (1954 – 1989): ser governo e oposição ao mesmo tempo.

Ao manter, com bastante habilidade, uma oposição interna muito mais radical do que a oposição dos outros partidos, o Colorado saiu vitorioso em quase todas as eleições passadas, exceto em 2008, quando Fernando Lugo (FGÑ) venceu. Assim, a ANR consegue evitar, o principal fator utilizado pela oposição para ganhar as eleições em qualquer outro país – o desgaste do governo –, pois consegue criar uma oposição colorada radical ao próprio governo colorado, capitalizando a indignação das pessoas em relação ao governo ruim. Essa foi a artimanha utilizada por Santi Peña – e também por seu mentor, o ex-presidente Horacio Cartes, outra figura colorada envolvida em denúncias de corrupção – para se apresentar como uma alternativa ao governo ruim de Abdo.

Além dos acertos do Partido Colorado, a oposição democrática cometeu erros graves que, além da fraude, explicam sua derrota.

Até 2021, a Frente Guasu (FG) era, indiscutivelmente, a terceira força política (6 senadores de 45 eleitos), com a figura política mais respeitada do país (Fernando Lugo), cujo governo é, entre os recentes, o mais bem avaliado em todas as pesquisas realizadas. Nas eleições municipais de outubro de 2021, a FG obteve 3,73% dos votos, após ter recebido 6,67% em 2015, sendo um primeiro sinal de alerta. A eleição de 2021 foi a primeira após a implementação do sistema de voto preferencial, no qual se vota primeiro em uma lista e depois nos candidatos, o que tornou o pleito muito mais plutocrático e favorável aos grandes partidos. O que acontece nesse sistema, por exemplo, é que um eleitor colorado insatisfeito ainda tem a possibilidade de escolher um outro candidato do partido de sua preferência, encontrando um “bom” colorado na lista (45 candidatos no caso do Senado); assim, o voto que antes iria para outra lista, porque os candidatos colorados elegíveis não eram “bons”, agora fica com o próprio partido.

Além disso, como todos os candidatos têm agora a possibilidade de se tornar senador, eles movimentam e gastam muito mais dinheiro, já que, no caso de lista fechada, se o Partido Colorado conseguisse 20 senadores, apenas os poucos que estavam perto da 20ª posição receberiam dinheiro, os que estavam em primeiro lugar já sabiam que seriam eleitos, então não era necessário fazer nada; os que estavam em último lugar também não, porque sabiam que não seriam eleitos;  agora todos os candidatos recebem dinheiro. Esse sistema prejudica os partidos pequenos e pobres e favorece os grandes partidos com candidatos ricos, como o Partido Colorado e, em menor escala, o PLRA.

A Concertación

Passadas as eleições municipais de outubro de 2021, a Frente Guasu (FG) avançou para a esquerda, no movimento que foi chamado de Ñemongeta (conversa em guarani), que se espalhou por todo o país. De nove partidos e movimentos, a FG passou a 16 na nova Frente Guasu Ñemongeta (FGÑ), uma ampliação que ocorreu no final de 2021 (dezembro).

A maior parte da FGÑ apontava para a importância de uma aliança ou concertação mais ampla, incluindo partidos democráticos do centro, já que o voto preferencial tornava as eleições muito mais plutocráticas e favorecia particularmente o Partido Colorado. Entretanto, a frente demorou a se unir à Concertación para un Nuevo Paraguay, uma coalizão que se reuniu em torno da candidatura de Efraín Alegre. Em uma política de vaivém (esteve na Concertación até o final de 2021; saiu da Concertación no final de 2021; retornou à Concertación em junho de 2022; finalmente se dividiu nessa questão em agosto de 2022), em vez de assumir a liderança, como poderia ter feito graças à figura de Fernando Lugo, até então em boa saúde, a FGÑ deixou que outros liderassem essa que era a principal frente democrática.

Alegre recebeu o apoio de setores empresariais, da grande mídia (em oposição a Horacio Cartes, o outro grande proprietário dos meios de comunicação) e, aparentemente, da Embaixada dos EUA. Assim, em julho de 2022, ele tomou a decisão de escolher como vice-presidenta Soledad Núñez, próxima a um grupo empresarial independente, mais aberto e democrático, mas ainda assim empresarial. Essa decisão foi tomada por Efraín Alegre antes do derrame cerebral sofrido por Fernando Lugo, ocorrido alguns dias depois. A FGÑ tentou dissuadi-lo, defendendo que a candidata à vice-presidência deveria ser Esperanza Martínez (FGÑ), e não Soledad Núñez, o que não aconteceu. Parte dos movimentos e partidos da FGÑ passou a apoiar outro candidato, Euclides Acevedo. Esse racha durou até o final das eleições e as tentativas de união fracassaram, o que foi, sem dúvida, um dos principais motivos da derrota da FGÑ e da Concertación.  

As perspectivas para a FGÑ e para as próprias forças democráticas não são boas. Em meio a essa fiasco, algo positivo foi a eleição de duas mulheres da frente, Esperanza Martínez e Johana Ortega, esta última uma mulher jovem (35 anos). A FGÑ como um todo precisa ser repensada e renovada. Possivelmente se pensou que, com uma boa gestão parlamentar (a FGÑ tem a melhor gestão no Senado e no Parlasur), o número de votos seria maior, mas não foi o caso. É preciso acompanhar a indignação do povo, contribuir com elementos que ajudem a conscientizar as pessoas para a ação e não tanto dentro dos gabinetes parlamentares. O lado bom dessa derrota catastrófica é que, com o velho morrendo, algo novo pode surgir para trazer novas esperanças ao povo paraguaio.

A luta continua, a FGÑ precisa se reformular e se renovar, com novas lideranças, para se tornar um projeto novo, atrativo para a maioria da população, como foi o projeto que formulamos com Fernando Lugo em 2008.


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El Partido Colorado y las denuncias de fraudes y corrupción en la continuidad del conservadorismo en Paraguay